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Conto: Um lobo (quase) Solitário


Minha vida foi um tanto atribulada, eu confesso. Nunca conheci meu pai, minha mãe me abandonou a minha própria sorte quando achou que eu estava pronto para ganhar o mundo. Fui separado de meus irmãos e irmãs, vaguei pelas ruas da cidade passando fome, cede e frio. Não tinha um lugar para dormir, eu vivia a margem da sociedade, cheguei ao ponto de assaltar bares, casas e restaurante durante a noite e me esconder durante o dia, muitas vezes me alimentei do lixo, dos restos jogados fora por seres humanos que estavam satisfeitos de suas boas vidas. Quando isso me foi negado, me vi obrigado a roubar para sobreviver, definitivamente me tornei um bichano de rua.

Sim, eu sou gato, e pasmem vocês, gatos sabem falar, e estou aqui para contar minha história.

O pelo negro, sujo e sem vida em meu corpo era a camuflagem perfeita, quando misturada ao breu da noite. Meus olhos amarelos como âmbar foram treinados para a caça, com eles eu sou capaz de enxergar muito bem, isso aliada as técnicas que mamãe me ensinou, fui capaz de sobreviver sozinho boa parte de minha infância.

Um dia, por obra do acaso ou do destino talvez, fui encontrado sujo, tremendo de frio e morto de fome, embaixo de um caminhão que estava estacionado em um posto próximo ao restaurante ao qual eu costumava roubar. O local havia sido fechado a alguns dias e sem saber comecei a chamar pelos donos, - que vez ou outra me presenteavam com pedaços de peixes e carnes ainda frescos- como ninguém apareceu decidi dar a volta e entrar escondido no local, para saciar minha fome, para o meu azar tudo estava fechado e impecavelmente limpo, ou seja, nada de comida para mim.

Sem saber o que fazer, andei sem rumo por um tempo, no fim acabei em um posto de beira de estrada. Lá encontrei um homem de bom coração que vendo meu estado atirou para mim um pouco do que estava comendo. No início desconfiei daquela atitude tão bondosa, no fim, vencido pela fome acabei me aproximando e comendo o que ele me oferecia.

Aos poucos aquele homem se aproximou de mim, e eu pensando no pior me afastava. O rapaz vendo minha atitude se afastava e de longe voltava a jogar um petisco para mim. Depois de um tempo nessa brincadeira de pega não pega, acabei me dando conta de que ele queria meu bem e assim deixei que se aproximasse e me desse comida. Feliz deixei que ele me fizesse um carinho, ao terminar minha refeição rocei meu corpo em suas pernas em agradecimento e retomei meu caminho.

Andei pelas ruas barulhentas da cidade, fugindo dos carros que passavam a toda velocidade. – a maioria dos seres humanos não tem o menor apego pelos animais. - quase fui atropelado algumas vezes, mas graças ao deus dos gatos (será que existe um deus dos gatos?) eu estava bem, mas uma vez me escondi e adormeci esperando pela próxima caçada ou quem sabe uma outra alma caridosa.

A noite chegou e com ela a fome, tomado pela incerteza me aventurei pelos caminhos já conhecidos em busca de comida. Virando uma esquina qualquer, da qual o nome não importa nesse momento, me deparei com o mesmo homem da noite anterior sentado em uma cadeira ao relento. – Ele parecia estar de vigia, enquanto comia alguns petiscos - olhei na mesma direção para a qual ele olhava, talvez meus olhos treinados pudessem ajudar e assim eu pudesse ganhar um pouco mais de comida. Infelizmente não vi nada. Para a minha triste sorte não seria desta vez que alguém me alimentaria.

Foi então que me veio uma ideia, uma ideia maluca, eu confesso, mas ainda assim era uma saída. Sorrateiro me aproximei, o corpo encolhido, pronto para dar o bote, minhas patas se arrastavam juntas em pequenos passos. Quando dei por mim, lá estava eu encarando aquele homem a espera de um único deslize para poder atacar.

Sem entender como ou porque, aquele homem sorriu para mim, jogando em minha direção parte do seu pacote de petiscos, enquanto caminhava para mais perto. Continuei minha única refeição naquela noite esperando que ele me fizesse um carinho antes de ir embora, como fizera da última vez.

Ronronei feliz enquanto ele estendia a mão para mim com um punhado de comida entre os dedos. Me aproximei, cheirei seus dedos, olhei para ele e ele sorriu. Dei a primeira mordida, e antes que eu me desse conta lá estava eu, me debatendo tentando fugir daquele que poderia ser meu carrasco.

Fui colocado em um saco, trancafiado dentro de um porta malas escuro, ouvi o ronco do motor e o carro começou a se mexer. Depois de um tempo o carro parou, pude ouvir o barulho de portas se abrindo e algumas vozes estranhas. O porta malas se abriu, deixando me um quase cego. Meus olhos se fecharam em duas fendas negras, tão finas que quase não era possível nota-las. Aquele homem me pegou no colo mais uma vez, levando-me para dentro de uma estranha casa.

De lá de dentro um outro homem apareceu esboçando um largo sorriso ao me ver. Ele veio em nossa direção abriu um enorme portão de ferro e nos deixou entrar. O homem que me segurava me soltou dentro daquele enorme casarão. Eu tentei fugir, mas infelizmente não havia saída. Depois de explorar cada canto e cada brecha do lugar, enfim me dei por vencido.

Aquele seria o meu fim.

Para minha surpresa, algo inesperado aconteceu, o homem mais velho que me parecia ser o dono da casa, me trouxe um pouco mais de comida e uma tigela com agua. Aquela seria a minha última refeição.

Tomei uns bons goles de agua, comi até não poder mais e quando eu já esperava pelo pior, os dois homens brincaram comigo por horas até eu não ter mais forças e desmaiar de cansaço no chão gelado. E assim foi durante todo aquele dia, tive três refeições, um banho, e uma boa cama para descansar, depois de correr por horas atrás de pequenos objetos brilhantes que eles atiravam em minha direção.

Acabei adormecendo e no dia seguinte toda aquela agitação de repetiu, a comida, as brincadeiras e as horas de sono, eles pareciam felizes com a minha presença. E para a minha surpresa eu estava feliz, como nunca estive em toda a minha vida.

Havia ganhado um lar, um lugar quentinho para descansar meu corpo, no fim eu havia ganhado um amigo, disposto a cuidar de mim para sempre. Hoje não sou mais um bichano de rua qualquer, eu tenho amigos, tenho um lar para chamar de meu. Eu tenho um nome, e sou feliz assim.

Muito prazer eu me chamo Lobo, mas você pode me chamar de Lobinho se assim desejar. Só não esqueça de uma coisa... você deve me fazer um carinho, antes desta casa deixar.

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