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Conto: A Carta Selada



“Minha querida Lu”,

Eu imagino o dia em que você receberá esta carta, numa uma tarde quente de verão, ou talvez seja inverno. Está sozinha em casa, deitada no sofá lendo seu exemplar de A menina do narizinho arrebitado. Seu livro favorito. Quando o carteiro chega à sua porta.

“Ô de casa!” Ele diz batendo palmas.

Um tanto depressa você levanta, calça a sapatilha que te dei de presente antes de atender a porta, está usando aquela blusa de gola alta que eu tanto gosto com uma saia rodada e meias. Linda como sempre, a luz do sol faz seus loiros cachos brilhar, deixando seu rosto ainda mais iluminado.

“Boa tarde.” O velho carteiro cumprimenta ainda procurando na sacola algo para você.

“Boa tarde seu Jorge!” Você responde num sorriso angelical.

Depois de lhe retribuir o sorriso, ele lhe entrega este envelope envolto neste laço vermelho timbrado pela marca do exército, cujo papel havia se desgastado pelo tempo. Você se surpreende ao ver seu nome e seu endereço gravados no papel com a minha caligrafia.

Em fim você vai suspirar por receber estas notícias depois de muito tempo. Notícias que havia imaginado não mais receber.Com os olhos cheios de lagrimas vai agradece-lo e depois de vê-lo partir vai fechar a porta olhar para este embrulho e cheira-lo, antes de romper o lacre e ler estas linhas. Meu perfume deve ter resistido ao tempo, mas, mesmo fraco ele ainda estará lá.

E para você isso será como se eu estivesse ao seu lado novamente.

Você vai sorrir, ao perceber que fez exatamente o que eu acabei de descrever. Isso só prova o quanto eu te conheço. Minha linda ratinha de biblioteca.

Eu sinto sua falta, sabia?

Sinto falta de estar com você, do teu calor, do beijos, das nossas fugas. Ate mesmo as brigas. Os dias e o locais não importam se você não está aqui para compartilha-lo comigo.

Eu tenho medo, pois talvez estas cartas nunca cheguem ao seu destino, ou talvez cheguem e talvez eu já não esteja mais vivo, quando você as receber.

Se isso aconteceu, então me perdoe.

Eu vejo, Homens com esposas e filhos cheios de esperanças, sonhos, planos de uma vida longa e prospera que nunca se realizarão de fato. E eu estou entre eles...

As coisas não vão nada bem por aqui, a escassez de suprimentos, medicamentos, toda a pressão física e psicológica está acabando com todos nós.

Crianças perdem pais, esposas perdem maridos, mortos pelos motivos mais mesquinhos do mundo, uma luta em que ambos os lados vão perder. Nós somos meros peões nas mãos de pessoas que só querem o poder.

Eu tenho medo! Medo de não te ver novamente.

  Tudo aqui é cada vez mais metódico, não temos horários para acordar ou dormir. A qualquer momento podemos ouvir o barulho da sirene nos chamando para a guerra. Tentamos não fazer amizades ou nos envolver com nossos companheiros, pois podemos não vê-los no jantar.

Na hora de dormir muitos de nós choram olhando as fotos dos familiares, temendo não poder reencontra-los novamente, outros assim como eu escrevem para as namoradas, esposas e mães, cartas que não sabemos se serão entregues ou lidas. Em silencio choramos pelas mortes de nossos companheiros e eu me pergunto se algum dia isso tudo vai ter um fim. A tríplice aliança nos tem enviado cada vez mais soldados, para suprir os amigos que nos deixam.

Sabe Lu... Tenho sonhado com você, quase todas as noites. Neles você está chorando com uma medalha de honra nas mãos. Chorando por minha causa. Pela promessa que eu não pude cumprir. A vida não tem mais nenhum sentido, pelo menos não sem você. Eu sinto sua falta todos os dias, sua lembrança é a única coisa que me conforta em meio a este inferno. Desde que cheguei aqui, tudo tem sido mais difícil, estou sempre pulando de um campo de batalha para outro e vivenciando os horrores da guerra, ver meus companheiros morrerem em meio ao campo de batalha me fez pensar no meu futuro. Um futuro ao seu lado, com filhos e uma casa com um cachorro para nos fazer companhia, chegar em casa depois de um dia de trabalho e comer dos manjares que você terá preparados para mim e nossos filhos.

Vou te fazer surpresas, flores, bombons ou joias não muito caras, pois, meu trabalho como colunista não deve pagar muito bem, mas mesmo assim somos felizes.

Depois do jantar vamos para a calçada desfrutar de uma noite de lua, conversando baboseiras com os vizinhos enquanto nossos filhos brincam na rua. Assim que as crianças dormirem enquanto eu conto uma história inventada, terei você só para mim meu pequeno pedacinho de paraíso. Você vai me contar como foi seu dia enquanto se aninha em meu peito.

As horas passam e acabamos dormindo um nos braços outro, depois de uma noite de amor maravilhosa...

Lilian nossa pequena, entra às pressas e se aninha entre nós dois sussurrando que está com medo, pois tem um monstro dentro do armário.

“O papai pode cuidar disso!” você diz abraçando-a com força.

Eu me levanto e faço meu papel de pai herói com um lençol amarrado no pescoço. Faço alguns barulhos no fim do corredor antes de voltar e dizer que está tudo bem e que ela já pode voltar para a cama.

“Só se me contar uma história!” Nossa danadinha barganha com um olhar de pidona que só ela sabe fazer, mas que para mim foi herdado da mãe.

Sem resistir eu invento mais uma história mirabolante sobre um menino que tinha asas. Falo com uma voz baixinha quase um sussurro e quando termino de conta-la vocês estão dormindo. Eu saio da cama dou uma checada nos outros garotos antes de ir para o sofá deixando vocês duas mais à vontade na cama.

O tique e taque do relógio da sala me fazem adormecer e quando acordo, o cheiro do seu café me alerta dizendo que já é de manhã e eu preciso tomar banho para voltar à rotina.

Sabe Lú, eu quero que esse momento se torne realidade, quero te fazer feliz, e quero que você me faça feliz. E que nos dois possamos construir uma vida inteira juntos e no fim tenhamos nossos netos, para “deseducar” assim como os nossos pais fizeram com eles.

Passaremos as tardes na varanda tomando café e comendo biscoitos enquanto vemos os nossos netos repetirem o ciclo, envelheceremos juntos felizes até o dia em que partiremos para sempre deste mundo.

Mas antes que isso tudo aconteça, nós temos que começar do início. Não me responda por carta, eu peço que apenas espere meu retorno na estação quando esse inferno acabar. Se você estiver lá eu saberei que aceitou meu pedido.

Quer se Casar comigo?

Sinceramente espero que a resposta seja sim. Pois é esta esperança que me mantem vivo a cada dia.

Aceite isso como prova do meu amor incondicional por você minha doce e querida Luana.

Do seu eterno...

P.S.

Ao terminar de ler estas poucas linhas as lagrimas vão teimar em rolar por seu rosto. Mesmo longe eu ainda sei como surpreende-la. Aceite este anel de brilhantes, como prova do meu amor você e pela família que formaremos quando eu voltar. Eu queria estar junto a você para poder fazer tudo como manda o figurino, mas como não posso, só me resta imaginar sua resposta.

Feliz você o colocará em seu dedo e dirá aos quatro cantos que me ama, Dizendo para si mesma.

 “Eu aceito” ... meu doce e amado Gabriel.

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